sábado, 28 de julho de 2012

Corrupção eleitoral: a compra e a venda de votos...


          Este texto foi pensado a partir de um post colocado no facebook por Francisco Pereira de Sousa, onde o mesmo questiona e opina sobre o fenômeno da “compra e venda de votos” na corrida eleitoral. Como sempre as colocações de Francisco são, por demais, muito oportunas, e talvez por isso mesmo, ele algumas vezes, seja rotulado como da oposição ou da situação, em virtude da coragem em expor suas inquirições. Apesar de correr o mesmo risco aqui, já advirto o leitor desse blog, que a direção não é nesse sentido específico. A abordagem é outra no sentido de procurar as raízes mais profundas do fenômeno nas democracias modernas. Partí então, numa busca exaustiva e frustrante na coleta de material para pensar sobre esse fenômeno, até que me deparei com um texto, um artigo do Sr. Bruno Wilhelm Speck, do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas. Trata-se de um artigo intitulado “A compra de votos – uma aproximação empírica”. Deixarei o endereço do artigo no final desta postagem para quem se interessar e quiser aprofundar a leitura. Então, é importante ressaltar que essa postagem esta completamente impregnada do estudo do Sr. Bruno Wilhelm Speck, acrescida, é claro, aqui e acolá, por minhas concepções pessoais.
          A primeira pergunta que surge antes de se adentrar no fenômeno da compra de votos é a seguinte: “como os eleitores escolhem os seus candidatos em eleições?”. Os mecanismos que determinam essa escolha, ou o modo como ela é feita, é motivo de preocupação de cientistas sociais e também de profissionais que atuam nas campanhas eleitorais. Segundo o artigo do autor acima citado, o eleitorado, via de regra, costuma seguir um conjunto de motivações, e, diferencia basicamente três tipos de voto: o voto ideológico, o voto pessoal (também chamado de circunstancial) e o voto decidido espontaneamente em função de como o candidato ou seu programa de governo é apresentado. Para este terceiro tipo de voto é que se volta o markentig político e todas as suas estratégias. Ao situar, essa espécie de classificação do voto, o autor já alerta que poucos autores assinalam o fenômeno do “voto comprado”. Essa omissão tanto por parte da academia e seus estudiosos, quanto por profissionais que lidam diretamente com o tema, já revela a complexidade do fenômeno. É importante ressaltar, no entanto, que a legislação eleitoral reconhece o problema e proíbe claramente a compra de votos. Como o estudo aborda uma pesquisa realizada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) antes de adentrar aos dados específicos o autor faz esta reflexão inicial. De forma muito resumida aqui, a CNBB através de sua campanha no ano de 1996, com o tema “Fraternidade e Política”, confrontou o uso consciente do voto como uma ferramenta, um instrumento, para influenciar os rumos da política, sendo o fenômeno da compra de votos identificado como “uma das maiores distorções da democracia brasileira”. Para os estudiosos do tema as dificuldades apresentadas para diagnosticar tal problema são enormes.
          Como ponto de partida para entender o problema, o autor coloca o papel da “lisura” do processo eleitoral, que aqui bem poderia ser tratada como a “imparcialidade” do processo eleitoral. Historicamente, o voto passa a ser valorizado na transição de regimes políticos, antes baseados em fatores como a hereditariedade, no caso das monarquias, ou mesmo na usurpação do poder, para os regimes ditos de democracia representativa. Nesse novo modelo, a democracia, as chances de manipulação das eleições são imensas. Nesse contexto, a disputa muitas vezes restringe-se entre as elites, que contam com um amplo controle, tanto sobre todo o processo, como também sobre parcela considerável do eleitorado. Convém destacar então, a importância da criação de um órgão isento para administrar o processo eleitoral, o papel do poder econômico no financiamento das campanhas e a independência do eleitor ao votar.
          Com relação a criação de um órgão específico para administrar o processo eleitoral, convém pensar como era esse processo, até a criação da Justiça Eleitoral. O processo eleitoral era completamente controlado pelo governo que deixava o cargo, isto incluía o alistamento de eleitores, a aprovação de candidatos, a votação propriamente dita, o processo de apuração e a diplomação dos eleitos. A possibilidade e a probabilidade de fraude em qualquer etapa desse processo, plenamente controlado pela instância interessada em fazer seu sucessor, não permitia o fenômeno da compra de votos, simplesmente não havia a necessidade.
          Quando tal órgão é criado, o governo e as elites interessadas na manipulação dos resultados, perderam parte importante do controle e o voto ganhou nova dimensão passando a ser fonte de preocupações e também de ataques, ainda na tentativa de manipulação. Surge então o problema do financiamento das campanhas eleitorais. A comunicação com o eleitor agora, relativamente livre, precisava ser “sensibilizado” de várias formas e todas essas formas são caras. A comunicação entre o candidato e o eleitor, exige enormes aportes financeiros para acontecer. Quanto maior a quantidade de eleitores, ou a disposição dos mesmos em uma área territorial muito grande, maiores os custos, os gastos. A pergunta é relevante agora: quem financia então as campanhas dos candidatos? E que espécie de retorno ($) esperam? O volume de dinheiro necessário para tirar uma pessoa do anonimato, elevá-la a condição de líder político e efetivá-la em um cargo, é enorme, e precisa vir de algum lugar. Tal fato, por si só, já é eliminatório, exclui do processo eleitoral parcela considerável de pessoas, que não dispõe de tais recursos para tanto, o que novamente centraliza a disputa entre as elites, ou no máximo, a representantes delas. A fiscalização da captação e do uso de tais recursos, apesar de todos os avanços nessa área, ainda é um tanto obscura, e certamente, dessa fonte nascem os recursos necessários à prática da compra de votos.
         Um terceiro aspecto relevante, e talvez o mais importante, nesse texto refere-se a “independência do eleitor”. Afinal é nele que reside a questão da compra de votos, ou da troca de votos por bens materiais os mais diversos ou favores políticos. Sob essa ótica estudiosos situam o voto historicamente e o classificam da seguinte forma e na seguinte ordem: o voto sob chantagem ou extorsão; o voto negociado ou comprado e o voto como manifestação de aprovação ou reprovação de representantes políticos. No primeiro estágio, o do voto sob chantagem ou extorsão, ocorria no momento da implantação dos regimes democráticos em que os eleitores não estavam plenamente preparados para exercer seus direitos políticos e as relações entre patrões e empregados, latifundiários e seus agregados ocorriam em condição de desigualdade. Nesse período o voto era declarado em aberto, tendo os patrões conhecimento total das opções de seus empregados, a coação nesse aspecto tornava-se evidente, a chantagem e a extorsão. No Brasil, o fenômeno do coronelismo e dos currais eleitorais, evidencia esse fenômeno.
         Com a transição das relações históricas de poder, o voto passa de alienado a negociado, em função da liberdade do eleitor em relação as práticas anteriores, bem como ao caráter secreto do voto. O eleitor sofre transformações nesse processo, torna-se mais informado e teoricamente mais emancipado através dos meios de comunicação de massas. Nesse novo contexto, no entanto, o desnível entre as elites e a massa de eleitores ainda é muito grande. Surge a negociação do poder político o voto por vantagens materiais. É o voto negociado, fonte de nosso texto. Essa negociação pode ocorrer sobre três variações básicas e relevantes: a primeira diz respeito a quantidade de eleitores envolvidos no processo de troca de votos por vantagens materiais, que de uma forma sintética pode se dar de forma individual, o famoso corpo-a-corpo, ou de forma mais sutil com grupos como associações e sindicatos. A segunda consideração importante refere-se especificamente ao objeto de troca, que pode ocorrer na forma de dinheiro ou bens materiais, ou em função de compensações não necessariamente materiais, como empregos, favores administrativos e influência política. Outra questão importante nesta consideração refere-se a origem dos recursos necessários para a compra de votos, que nesse contexto pode vir agora do próprio setor público via corrupção e outras práticas ilícitas. E a terceira consideração importante é em que momento exato, temporalmente falando, ocorre a compensação para o eleitor do objeto negociado, que pode ser imediata na forma de bens materiais e dinheiro, quanto a longo prazo, no decorrer do processo eleitoral, ou da administração propriamente dita, em casos de cargos ou favores administrativos.
        Nesse último contexto surge a grande questão do estabelecimento de uma relação de confiança entre os agentes do processo, corruptores e corrompidos. A pergunta é simples: como garantir que o acordo será cumprido pelas partes? No caso do recebimento de bens ou dinheiro pelo eleitor, como garantir que ele cumprirá a promessa de votar no candidato? E noutro aspecto como garantir que o candidato cumprirá promessas de longo prazo no caso de benefícios políticos administrativos? Na resolução de questão tão complexa vemos emergir no processo a figura de atores novos, os cabos eleitorais, pessoas que se especializaram nas falhas e brechas apresentadas pelo sistema e que controlam de forma direta ou indireta a comunicação entre as instâncias do poder e a outra ponta que são os eleitores.
        Diante desta realidade, acho conveniente agora ressaltar alguns resultados do estudo em questão para melhor elucidação do tema. O resultado em alguns aspectos é surpreendente e em outros corrobora ideias já pré-concebidas. Um exemplo disso é com relação a concepção de que a corrupção eleitoral ocorre com mais frequência entre as pessoas menos escolarizadas, com menor grau de instrução e de baixa renda. As propostas para a compra de votos vão desde eleitores analfabetos até eleitores com grau universitário, o que varia nesse contexto é a moeda de troca.
        Seria tedioso aqui, elucidar todos esses números, mas pra quem desejar ampliar nosso debate deixo o endereço eletrônico do estudo. Espero ter contribuído de alguma forma na elucidação dessa questão.
        O endereço é:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-62762003000100006&script=sci_arttext

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