terça-feira, 25 de setembro de 2007

Capítulo IX - Do Domínio Real - Rousseau (Fim do Livro Primeiro)


"Cada membro da comunidade dá-se a ela no momento de sua formação, tal como se encontra naquele instante; ele e todas as suas forças, das quais fazem parte os bens que possui. O que não significa que, por esse ato, a posse mude de natureza ao mudar de mão e se torne propriedade nas do soberano, mas sim que, como as forças da Cidade são incomparavelmente maiores do que as de um particular, a posse pública é também, na realidade, mais forte e irrevogável, sem ser mais legítima, pelo menos para os estrangeiros. Tal coisa se dá porque o Estado, perante seus membros, é senhor de todos os seus bens pelo contrato social, contrato esse que, no Estado, serve de base a todos os direitos, mas não é senhor daqueles bens perante as outras potências senão pelo direito do primeiro ocupante, que tomou dos particulares.
O direito do primeiro ocupante, embora mais real do que o do mais forte, só se torna um verdadeiro direito depois de estabelecido o de propriedade. Todo o homem tem naturalmente direito a quanto lhe for necessário, mas o ato positivo, que o torna proprietário de qualquer bem, o afasta de tudo mais. Tomada a sua parte, deve a ela limitar-se, não gozando mais de direito algum à comunidade. Eis porque o direito do primeiro ocupante, tão frágil no estado de natureza, se torna respeitável para todos os homens civis. Por esse direito, respeita-se menos o que pertence a outrem, do que aquilo que não pertence a si mesmo.
Em geral, são necessárias as seguintes condições para autorizar o direito de primeiro ocupante de qualquer pedaço de chão: primeiro, que este terreno não esteja sendo habitado por ninguém; segundo, que dele só se ocupe a porção de que se tem necessidade para subsistir; terceiro, que dele se tome posse não por uma cerimônia vã, mas pelo trabalho e pela cultura, únicos sinais de propriedade que devem ser respeitados pelos outros, na ausência de títulos jurídicos.
Com efeito, concedendo-se à necessidade e ao trabalho o direito de primeiro ocupante, não se estará levando-o o mais longe possível? Poder-se-á não estabelecer limites para esse direito? Bastará pôr o pé num terreno comum para logo pretender ser o senhor? Bastará a força, capaz de afastar dele num momento os outros homens, para destituí-los do direito de novamente voltar a ele? Como poderá um homem ou um povo assenhorear-se de um território imenso e privar dele todo o gênero humano, a não ser por usurpação punível, por isso que tira do resto dos homens o abrigo e os alimentos que a natureza lhes deu em comum? Quando Nuñez Balboa tomou, na costa, posse de todo mar do Sul e de toda a América meridional, em nome da coroa de Castela, tanto bastaria para desapossar todos os habitantes e daí excluir todos os príncipes do mundo? Com tal razão, tais cerimônias se multiplicariam inutilmente e o rei católico não precisaria senão de inopino tomar, de seu gabinete, posse de todo o universo, apenas posteriormente excluindo de seu império o que antes possuíam os outros príncipes.
Concebe-se como as terras dos particulares reunidas e contíguas se tornam território público e como o direito de soberania, estendendo-se dos súditos ao terreno por eles ocupado, se torna, ao mesmo tempo, real e pessoal, colocando os possuidores numa dependência ainda maior e fazendo de suas próprias forças as garantias de sua fidelidade. Essa vantagem não parece haver sido muito bem compreendida pelos antigos monarcas que, intitulando-se simplesmente rei dos persas, dos citas, dos macedônios, pareciam considerar-se mais chefes dos homens do que senhores do país. Os de hoje chamam-se, mais habilmente, reis de França, da Espanha e da Inglaterra etc.; dominando assim o território, sentem-se bem seguros de aí dominar os habitantes.
O singular dessa alienação é que a comunidade, aceitando os bens dos particulares, longe de despojá-los, não faz senão assegurar a posse legítima, cambiando a usurpação por um direito verdadeiro, e o gozo, pela propriedade. Passando então os possuidores a serem considerados depositários de bem público, estando respeitados seus direitos por todos os membros do Estado e sustentados por todas as forças contra o estrangeiro, adquirem, por assim dizer, tudo o que deram por uma cessão vantajosa ao público e mais ainda a eles mesmos. O paradoxo explica-se facilmente pela distinção entre os direitos de que o soberano e o proprietário gozam sobre os mesmos bens, como se verá mais adiante.
Pode também acontecer também que os homens comecem a unir-se antes de possuir qualquer coisa e que, apossando-se depois de um terreno bastante a todos, o fruam em comum ou dividam entre si, seja em partes iguais, seja de acordo com proporções estabelecidas pelo soberano. De qualquer forma que se realize tal inquietaçao, o direito que cada particular tem sobre seus próprios bens está sempre subordinado ao direito que a comunidade tem sobre todos, sem o que não teria solidez p liame social, nem força verdadeira o exercício da soberania.
Terminarei este capítulo e este livro por uma observação que deverá servir de base a todo o sistema social: o pacto fundamental, em lugar de destruir a igualdade natural, pelo contrário substitui por uma uma igualdade moral e legítima aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens, que, podendo ser desiguais na força ou no gênio, todos se tornam iguais por convenção e direito."

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Capítulo VIII - Do Estado Civil - Rousseau

"A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É só então que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas sua pessoa, vê-se forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações. Embora nesse estado se prive de muitas vantagens que frui da natureza, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem freqüentemente a uma condição inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.
Reduzamos todo esse balanço a termos de fácil comparação. O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. A fim de não fazer julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas forças do indivíduo, e a liberdade civil, que se limita pela vontade geral, e, mais, distinguir a posse, que não é senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode fundar-se num título positivo.
Poder-se-ia, a propósito do que ficou acima, acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, única a tornar o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, porque o impulso do puro apetite é escravidão, e a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade. Mas já disse muito acerca desse princípio e o sentido filosófico da palavra liberdade, neste ponto, não pertence a meu assunto."

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Capítulo VII - Do Soberano - Rousseau


"Vê-se por essa fórmula, que o ato de associação compreende um compromisso recíproco entre o público e os particulares, e que cada indivíduo, contratando, por assim dizer, consigo mesmo, se compromete numa dupla relação: como membro do soberano em relação aos particulares, e como membro do Estado em relação ao soberano. Não se pode, porém, aplicar a essa situação a máxima do Direito Civil que afirma ninguém estar obrigado aos compromissos tomados consigo mesmo, pois existe grande diferença entre obrigar-se consigo mesmo e em relação a um todo do qual faz parte.
Impõe-se notar ainda que a deliberação pública, que pode obrigar todos os súditos em relação ao soberano, devido às duas relações diferentes segundo as quais cada um deles é encarado, não pode, pela razão contrária, obrigar o soberano em relação a si mesmo, sendo conseqüentemente contra a natureza do corpo político impor-se o soberano uma lei que não possa infringir. Não podendo considerar-se a não ser numa única e mesma relação, encontrar-se-á então no caso de um particular contratando consigo mesmo, por onde se vê que não há nem pode haver nenhuma espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo nem sequer o contrato social. Tal não significa não poder esse corpo comprometer-se com outrem, no que não derrogar o contrato, pois em relação ao estrangeiro, torna-se um ser singelo, um indivíduo.
Mas o corpo político ou o soberano, não existindo senão pela integridade do contrato, não pode obrigar-se, mesmo com outrem, a nada quie derrogue esse ato primitivo, como alienar uma parte de si mesmo ou submeter-se a um outro soberano. Violar o ato pelo qual existe seria destruir-se, e o que nada é nada produz.
Desde o momento em que essa multidão se encontra assim reunida em um corpo, não se pode ofender um dos membros sem atacar o corpo, nem, ainda menos, ofender o corpo sem que os membros se ressintam. Eis como o dever e o interesse obrigam igualmente as duas partes contratantes a se auxiliarem mutuamente, e os mesmos homens devem procurar reunir, nessa dupla relação, todas as vantagens que dela provêm.
Ora, o soberano, sendo formado tão-só pelos particulares que o compõem, não visa nem pode visar a interesse contrário ao deles, e, conseqüentemente, o poder soberano não necessita de nenhuma garantia em face de seus súditos, por ser impossível ao corpo desejar prejudicar a todos os seus membros, e veremos, logo a seguir, que não pode também prejudicar a nenhum deles em particular. O soberano, somente por sê-lo, é sempre aquilo que deve ser.
O mesmo não se dá, porém, com os súditos em relação ao soberano, a quem, apesar do interesse comum, ninguém responderá por seus compromissos, se não encontrasse meios de assegurar-se a fidelidade dos súditos.
Cada indivíduo, com efeito, pode, como homem, ter uma vontade particular, contrária ou diversa da vontade geral que tem como cidadão. Seu interesse particular pode ser muito diferente do interesse comum. Sua existência, absoluta e naturalmente independente, pode levá-lo a considerar o que deve à causa comum como uma contribuição gratuita, cuja perda prejudicará menos aos outros, do que será oneroso o cumprimento a si próprio. Considerando a pessoa moral que constitui o Estado, como um ente de razão, porquanto não é um homem, ele desfrutará dos direitos do cidadão sem querer desempenhar os deveres de súdito - injustiça cujo progresso determinaria a ruína do corpo político.
A fim de que o pacto social não represente, pois, um formulário vão, compreende ele tacitamente este compromisso, o único que poderá dar força aos outros: aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senãoi que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal. Essa condição constitui o artifício e o jogo de toda a máquina política, e é a única a legitimar os compromissos civis, os quais, sem isso, se tornariam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos."

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Ensaio Cultural Edição Nº... (sei lá!)...

Dessa vez a galera marcou presença na casa de Eutália (Tailê), durante as festividades de batizado e aniversário do Carlos Eduardo. Mestre Claudiê estava lá, já falei que sem ele não rola nada. Além de outros convidados prá lá de especiais. A festa começou cedo, por volta das 13:00 horas (soube que foi até alta noite, mas ai eu já não prestava mais prá nada). A galera marcou presença em peso. Acho que nunca tocamos (?!) prá um público tão grande e eclético, destaque para a performance de Valéria e afins. O bicho pegou. Rinaldo, mais uma vez, não compareceu... (O que será que está acontecendo com Cumpade Cara de Ovo?). Claudiê quer marcar um acústico com toda a galera, qualquer hora dessas (o que é que cachaça não faz?...). Destaque especial para uma menininha prá lá de hiperativa, que mexia simplesmente em qualquer botão dos equipamentos, imagine ela em uma cabine de um avião da TAM... Breve novos destaques.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Capítulo VI - Do Pacto Social - Rousseau


"Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispões para manter-se neste estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria.
Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e orientar as já existentes, não têm eles outro meio de conservar-se senão formando, por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concerto.
Essa soma de forças só pode nascer do concurso de muitos: sendo, porém, a força e a liberdade de cada indivíuo os instrumentos primordiais de sua conservação, como poderia ele empenhá-los sem prejudicar e sem negligenciar os cuidados que a si mesmo deve? Essa dificuldade, reconduzindo ao meu assunto, poderá ser enunciada como segue:
'Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a simesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes.' Esse é o problema fundamental cuja solução o contrato social oferece.
As cláusulas desse contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de modo que, embora talvez jamais enunciadas de maneira formal são as mesmas em toda a parte, e tacitamente mantidas e reconhecidas em todos os lugares, até quando, violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara àquela.
Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, porque, em primeiro lugar, cada um dando-se completamente, a condição é igual para todos, e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa por torná-la onerosa para os demais.
Ademais, fazendo-se a alienação sem reservas, a união é tão perfeita quanto possa ser e a nenhum associado restará algo mais a reclamar, pois, se restassem alguns direitos aos particulares, como não haveria nesse caso um superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, cada qual, sendo de certo modo seu próprio juiz, logo pretenderia sê-lo de todos; o estado de natureza subsistiria, e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou vã.
Enfim, cada um dando-se a todos não se dá a ninguém e, não existindo um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo oque se perde, e maior força para conservar o que se tem.
Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua essência, ver-se-á que ele se reduz aos seguintes termos: 'Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo'.
Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto são os votos da assembléia, e que por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e potência quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. Esses termos, no entanto, confundem-se freqüentemente e são usados insdistintamente; basta saber distingui-los quando são empregados com inteira precisão."

Capítulo V - De Como É Sempre Preciso Remontar a Uma Convenção Anterior - Rousseau


"Ainda que houvera concordado com tudo que até aqui refutei, não se encontrariam em melhor situação os fautores do despotismo. Haverá sempre uma grande diferença entre subjugar uma multidão e reger uma sociedade. Sejam homens isolados, quantos possam ser submetidos sucessivamente a um só, e não verei nisso senão um senhor e escravos, de modo algum considerando-os um povo e seu chefe. Trata-se, caso se queira, de uma agregação, mas não de uma associação; nela não existe nem bem público nem corpo político. Mesmo que tal homem domine a metade do mundo, sempre será um particular; seu interesse, isolado do dos outros, será sempre um interesse privado. Se esse homem vem a perecer, seu império, depois dele, fica esparso e sem ligação, como um carvalho, depois de consumido pelo fogo, se desfaz e se transforma num monte de cinzas.
Um povo, diz Grotius, pode dar-se a um rei. Portanto, segundo Grotius, um povo é povo antes de dar-se a um rei. Essa doação mesma é um ato civil, supõe uma deliberação pública. Antes, pois, de examinar o ato pelo qual um povo elege um rei, conviria examinar o ato pelo qual um povo é povo, pois esse ato, sendo necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro fundamento da sociedade.
Com efeito, caso não haja convenção anterior, a menos que a eleição fôsse unânime, onde estaria a obrigação de se submeterem os menos numerosos à escolha dos mais numerosos?
Donde sai o direito de cem, que querem um senhor, votar em nome de dez, que não o querem de modo algum? A lei da pluralidade dos sufrágios é, ela própria, a instituição de uma convenção e supõe, ao menos por uma vez a unanimidade."

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Breve explicação sobre Lá In Nóis (www.lainnois.blogspot.com)...


Começei este blog sem muitas explicações, mas considero que agora elas se fazem necessárias. Com relação ao nome do blog a história é engraçada: eu era professor no Centro Educacional São Pedro - CNEC, em Caririaçu, e nos intervalos, raramente eu ficava na sala dos professores, com os mestres. Na maior parte do tempo ficava na cantina com a saudosa Belinha ou conversando com os alunos no pátio. Muitos eram da zona rural e tinham uma maneira toda especial para se referirem ao seu sitio de origem, e era essa: "lá in nóis". Então sempre que eles tinham alguma coisa para contar começam com a conversa dessa forma: ' - lá in nóis aconteceu isso e tal...'.
Percebia um carinho todo especial nessa expressão e sempre pensei em utilizá-la, talvez, em algum possível livro que viesse a escrever, o que ainda não aconteceu; mas com a idéia do blog, desse espaço especial para expansão do pensamento, veio-me imediatamente a lembrança daqueles dias e também da expressão. Creio que não havia oportunidade melhor. Então o nome não é criação minha, trata-se na verdade de uma apropriação de algo corrente e corriqueiro daqueles com os quais tive a honra e o prazer de conviver naqueles dias.
Lá in nóis é isso. Simples e ao mesmo tempo profundo. Indica o caminho que trilhamos atualmente, surge como falta de espaço para discussão e debate. Nasce, pois do silêncio imposto ou voluntário, que nos cerca e nos oprime, nesse pedaço de Brasil.
Se é simples no nome é ousado no objetivo: permitir a disseminação do pensamento, como fundamento da essência humana, agregar pensadores famosos e despertar o gosto pela leitura de pensadores clássicos. Iniciamos o estudo com Rousseau. E esse inicio foi meio louco, sem maiores explicações.
Mas lá in nóis é assim mesmo, as coisas nascem de forma muito espontânea e abrupta, sem maiores delongas. A conversa inicial é essa.
Recebi um e-mail falando do contexto do pensamento de Rousseau, do pensamento iluminista, do que era o iluminismo e de Descartes, opositor ferrenho das idéias de Rousseau. A semente germina, as conjecturas começaram... Processo irreversível é a coisa do pensar.
Já não estou só nesse caminho, nessa parte do Brasil alguém está tentando pensar e tem a ajuda de várias pessoas que visitam o blog e deixam a sua contribuição na forma de comentários (anônimos ou não) ou me enviam e-mails diretamente.
Estamos nos metamorseando em observadores pensantes.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Capítulo IV - Da Escravidão (Rousseau)


"Visto que homem algum tem autoridade natural sobre seus semelhantes e que a força não produz nenhum direito, só restam as convenções como base de toda a autoridade legítima existente entre os homens.
Se um particular, diz Grotius, pode alienar sua liberdade e tornar-se escravo de um senhor, por que não o poderia fazer todo um povo e tornar-se súdito de um rei? Nessa frase existem muitas palavras equívocas a exigir explicação, mas prendamo-nos só a palavra alienar. Alienar é dar ou vender. Ora, um homem, que se faz escravo de um outro, não se dá; quando muito, vende-se pela subsistência. Mas um povo, por que se venderia? O rei, longe de prover à subsistência de seus súditos, apenas dele tira a sua e, de acordo com Rabelais, um rei não vive com pouco. Os súditos dão, pois, a sua pessoa sob a condição de que se tomem também seus bens? Não vejo o que lhe resta.
Dirão que o déspota assegura aos súditos a tranquilidade civil. Seja, mas qual a vantagem para eles, se as guerras em que são lançados pela ambição do déspota, a sua insaciável avidez, as vexações impostas pelo seu ministério os arruínam mais do que as próprias dissenções? Que ganham com isso, se mesmo essa tranquilidade é uma de duas misérias? Vive-se tranqüilo também nas masmorras e tanto bastará para que nos sintamos bem nelas? Os gregos, encerrados no antro do Ciclope, viviam tranquilos, esperando a vez de ser devorados.
Afirmar que um homem se dá gratuitamente constitui uma afirmação absurda e inconcebível; tal ato é ilegítimo e nulo, tão-só porque aquele que o pratica não se encontra no complexo domínio de seus sentidos. Afirmar a mesma coisa de todo um povo, é supor um povo de loucos: a loucura não cria direito.
Mesmo quando um pudesse alienar-se a si mesmo, não poderia alienar seus filhos, pois estes nascem homens e livres, sua liberdade pertence-lhes e ninguém, senão eles, goza do direito de dispor dela. ANtes que cheguem à idade da razão, o pai, em seu nome, pode estipular, condições para sua conservação e seu bem-estar, mas não pode dá-los irrevogável e incondicionalmente, porque uma tal doação é contrária aos fins da natureza e ultrapassa os direitos da paternidade. Seria pois necessário, para que um governo arbitrário fosse legítimo, que o povo, em cada geração, fosse senhor de aceitá-lo ou rejeitá-lo, mas, então, esse governo não mais seria arbitrário.
Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homen, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres. Não há recompensa possível para quem a tudo renuncia. Tal renúncia não se compadece com a natureza do homem, e destituir-se voluntariamente de toda e qualquer liberdade a excluir a moralidade de suas ações. Enfim, é uma inútil e contraditória convenção a que, de um lado, estipula uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites. Não está claro que não se tem compromisso algum com aqueles de quem se tem o direito de tudo exigir? E essa condição única, sem equivalente, sem compensação, não levará à nulidade do ato? Pois que direito meu escravo terá contra mim, desde que tudo que possui me pertence e desde que, sendo meu o seu direito, esse direito meu contra mim mesmo passa a constituir uma palavra sem nenhum sentido?
Grotius e outros autores encontraram na guerra outra origem do pretenso direito de escravidão. Tendo o vencedor, segundo eles, o direito de matar o vencido, este pode resgatar a vida pelo preço da sua liberdade, convenção tanto mais legítima quanto resulta em proveito de ambas as partes.
É claro que esse pretenso direito de matar os vencidos de modo algum resulta do estado de guerra. Apenas porque, vivendo em sua primitiva independência, não mantém entre si uma relação suficientemente constante para constituir quer o estado de paz que o de guerra, os homens em absoluto não são naturalmente inimigos. É a relação entre as coisas e não a relação entre os homens que gera a guerra, e, não podendo o estado de guerra originar-se de simples relações pessoais, mas unicamente das relações reais, não pode existir a guerra particular ou de homem para homem, nem no estado de natureza, no qual não há propriedade constante, nem no estado social, em que tudo se encontra sob a autoridade das leis.
Os combates particulares, os duelos, os recontros são atos que de maneira alguma constituem um estado; quanto às guerras privadas, autorizadas pelas ordenações de Luís IX, rei da França, e suspensas pela Paz de Deus, são abusos do governo feudal, sistema absurdo, se jamais foi sistema, constrário aos princípios do Direito Natural e a qualquer boa politia.
A guerra não representa, pois, de modo algum, uma relação de homem para homem, mas uma relação de Estado para Estado, na qual os particulares só acidentalmente se tornam inimigos, não o sendo como homens, nem como cidadãos, mas como soldados, e não como membros da pátria, mas como seus defensores. Enfim, cada Estado só pode ter como inimigos outros Estados e não homens, pois que não se pode estabelecer uma relação verdadeira entre as coisas de natureza diversa.
Esse princípio está mesmo de acordo com as máximas estabelecidas em todos os tempos e com a prática constante dos povos civilizados. As declarações de guerra são avisos menos Pas potências do que aos vassalos. O estrangeiro, seja rei, particular ou povo, que rouba, mata ou detém os súditos, sem de início declarar guerra ao príncipe, não é um inimigo, é um bandido. Um príncipe justo, mesmo em plena guerra, apossa-se de tudo o que pertence ao público em país inimigo, mas respeita as pessoas e os bens dos particulares; ele respeita o direito sobre os quais os seus se fundam. Estando o fim da guerra na destruição do Estado inimigo, tem-se o direito de matar, no seu curso, os defensores enquanto estiverem de armas na mão; no mento, porém, em que as depõem e se rendem, deixando de ser inimigos ou seus instrumentos, tornam-se simplesmente homens, não mais se tendo direito à sua vida. Algumas vezes, pode-se eliminar o Estado sem matar um único de seus membros; ora, a guerra não concede nenhum direito que não os necessários à sua finalidade. Esses princípios não são os de Grotius, não se fundamentam na autoridade dos poetas, mas derivam da natureza das coisas e se fundam na razão.
Relativamente ao direito de conquista, não dispõe ele de outro fundamento além da lei do mais forte. Se a guerra não confere jamais ao vencedor o direito de massacrar os povos vencidos, esse direito que ele não tem, não poderá servir de base ao direito de escravizá-los. Só se tem o direito de matar o inimigo quando não se pode torná-lo escravo; logo, o direito de transformá-lo em escravo não vem do direito de matá-lo, constituindo, pois, troca iníqua o fazê-lo comprar, pelo preço da liberdade, sua vida, sobre a qual não se tem nenhum direito. Não é claro que se cai num círculo vicioso fundando o direito de vida e de morte no de escravidão, e o direito de escravidão no de vida e de morte?
Supondo-se mesmo a existência desse terrível direito de tudo matar, afirmo que um escravo feito na guerra ou um povo dominado não tem nenhuma obrigação para com seu senhor, senão obedecê-lo enquanto a isso é forçado. O vencedor não lhe concedeu graça ao tornar um equivalente da sua vida; em lugar de matá-lo sem proveito, matou-o utilmente. Londe, pois, de ter adquirido sobre ele qualquer autoridade além da força, persiste entre eles, como anteriormente, o estado de guerra, sendo a prórpia relação entre eles um efeito desse estado, e o gozo do direito de guerra não supõe nenhum tratado de paz. Firmaram uma convenção - seja; mas essa convenção, longe de destruir o estado de guerra, supõe sua continuidade.
Assim, seja qual for o modo de encarar as coisas, nulo é o direito de escravidão não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar. As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente. Quer de um homem a outro, quer de um homem a um povo, será sempre igualmente insensato este discurso: 'estabeleço contigo uma convenção ficando tudo a teu cargo e tudo em meu proveito, convenção essa a que obedecerei enquanto me aprouver e que tu observarás enquanto for do meu agrado'."

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Iniciando o Diálogo sobre Rousseau


Fiquei muito feliz, aliás estou feliz com o alcance do desafio de estudar Rousseau e com a repercussão do blog. Creio que achamos um dos caminhos. O desafio é enorme e fico na dúvida se escolhi o autor correto para iniciar, mas o mais importante é que o primeiro passo foi dado. Também temo cometer heresias na interpretação do pensamento de Rousseau e de sua obra, especialmente do livro "Discurso sobre a Economia Política e Do Contrato Social.
Sou neófito nesse ofício e os riscos são enormes. Mas, desafio é desafio. Vamos à ele.
Nas considerações iniciais o autor fala sobre uma "ordem civil" e, pelas notas de rodapé, não se trata do estudo das relações de homem a homem, mas sim a organização geral da sociedade, os seus princípios fundamentais e as regras institucionais, que são chamadas atualmente de "ordem pública". Pense no desafio do entendimento de uma simples expressão e quão vaga ela pode tornar-se na construção ou demolição de novas e de velhas estruturas de pensamento. Mas quem de nós já não parou para pensar na forma como a sociedade está organizada, com os poderes, teoricamente funcionando em harmonia, e com qual finalidade, tal processo foi construído e por quem? Como ocorre a sua continuidade e o que o legitima? Creio que já adentramos, pelo menos uma vez em tal inquietação. Cabe agora elaborá-la de forma mais ampla e complexa.
Na seqüencia o autor fala do fato dos homens tornarem-se como são e as leis como podem ser, que regra faz isso? Nos moldar a um padrão? Quem define o padrão? Na sua obra 'Emílio' (segundo as notas de rodapé) Rosseau fala que "é preciso estudar a sociedade pelos homens e os homens pela sociedade" (livro IV). O fato é que Rosseau também buscava algo prático com a tal "regra de administração legítima e segura", entendendo-se aqui, ou partindo do entendimento de que tal regra seja adequada aos homens e que possa ser posta em prática, de ação imediata.
No porque escrever sobre política, as explicações demonstram certa acidez com relação aos administradores, o autor diz que não perderia seu tempo dizendo o que deve ser feito, mas sim fazendo ou calando-se, caso fosse príncipe ou legislador. Lembrou-me o discurso do atual ministro da defesa Nelson Jobim, na cerimônia de posse. Será o homem esclarecido? Certamente já leu Rousseau, bem mais que eu.
Por fim a consideração que achei mais interessante, diz Rousseau: "o direito de neles votar basta para impor o dever de instruir-me a seu respeito...". Até então, vinha procurando motivos para estudar a política e a sociedade, mas após ler esse trecho, foi como se uma luz acendesse em algum lugar. Saí das trevas da ignorância. Basta isso, o direito de votar. Isso me remeteu a inúmeras considerações sobre nossa organização social e a desordem atual de nosso país e o descrédito em suas instituições. Voto, e por esse fato, devo estudar, aprofundamento meu pensamento e meu entendimento. Isso mudará alguma coisa na situação atual? Melhorará minha vida e a vida dos meus semelhantes? Mudará a história do meu país? Não sei! Mas sei que se não aprofundarmos nossas inquirições, certamente, as coisas continuarão como estão. Isso é claro.